NAGUAL
Graciela Iturbide
Curador
Nagual é uma palavra dos nahualli, um povo da cultura náuatle, asteca ou mexicana. Refere-se a uma língua e uma cultura do território que corresponde à região central do México desde, pelo menos, o século VII.
Até o final do século XX, era uma língua falada por pouco menos de um milhão e meio de pessoas. Na tradição mexicana, um nagual também é uma criatura metamórfica, que pode se transformar em outro ser ou animal. Pode, ainda, ser uma pessoa que tem a capacidade de sentir o que a outra sente.
Don Juan Matus era ele mesmo um nagual, e foi apresentado por Carlos Castañeda no seu livro Porta para o infinito (1975), no qual transcreve uma poesia de sua autoria, citada com frequência por Graciela Iturbide quando ela apresenta o seu trabalho:
“As condições de um pássaro solitário são cinco: Primeiro, que ele voe ao ponto mais alto; Segundo, que não anseie por companhia, nem a de sua própria espécie; Terceiro, que dirija seu bico para os céus; Quarto, que não tenha uma cor definida; Quinto, que tenha um canto muito suave.” (San Juan de la Cruz, Dichos de luz y amor)
Shinto, para a cultura tradicional do Japão, significa “o caminho dos deuses”. O xintoísmo, no Japão, caracteriza-se também pelo culto à natureza, aos antepassados, com uma forte ênfase na pureza espiritual, e tem como uma de suas práticas honrar e celebrar a existência de Kami que pode ser definido como “espírito”, “essência” ou “divindade”, e é associado a múltiplos formatos.
Em alguns casos, Kami pode se apresentar de uma forma humana; em outros, animística. Também é associado a forças do mundo, como montanhas, rios, ventos, ondas, árvores e rochas. Sendo um conjunto de energias e elementos “sagrados”, o Kami e as pessoas não são separados. Os Kami, assim como os nagual, são divindades que podem ser traduzidas como "deus", "espírito da natureza" ou "presença espiritual".
Por sua vez, na cosmogonia espiritual das florestas brasileiras, a caipora tem sua origem na ancestralidade indígena tupi-guarani, e significa caapora, “habitante do mato”. Quando sente que caçadores entram na floresta com a intenção de abater animais, a caipora solta assovios e gritos, assustando esses homens e alertando os pássaros e animais. Sua intenção é cuidar deles e proteger o ambiente.
Como uma caipora nagual xintoísta, Graciela se aproxima do sujeito ou do objeto que lhe interessa para mostrar a sua essência, transformando-se, eles próprios, numa ação sincrética potente, em reciprocidade direta com a natureza e a cultura de cada um. Transforma, então, os seres e a paisagem capturados em elementos bidimensionais, em preto e branco – como o calígrafo, com seu ágil pincel, captura o voo do pássaro; como o caçador, com seu facão, inscreve caça do dia na pedra.
Postados em frente a essas imagens simbólicas, passamos a ser parte dessa terra, criança, pedra, planta, semente, água, homem, areia, fogo, pássaro, mulheres.
Seres semelhantes em nossas culturas ancestrais, como
os brincantes,
os mascarados,
as mulheres em seus ofícios e sacrifícios,
as crianças em seus sonhos e alumbramentos,
a natureza em sua exuberância sem fronteiras,
os animais com sua liberdade e magia
as pedras em suas memórias cravadas no relevo do tempo
sob o mesmo céu, nos postamos disponíveis, nos entregamos como uma oferenda, à espera de sermos capturados pela sensibilidade nagual caipora xintoísta desta artista, aguardando a possibilidade de nos transformar em coisa melhor.