Negros na Piscina remete, de imediato, a uma imagem de subversão. À presença possível de certos corpos em espaços a eles não destinados na história do Brasil. Espaços de diversão ou descanso, mas não somente. Piscina é também casa, é comida na mesa, é acesso à educação e à saúde. Piscina é muita coisa: festa e trabalho, gozo e segurança. É frase que resume a vontade e a precisão de um levante contra interdições. Contra o impedimento a uma vida plena que é fruto de séculos de colonização e de seus desdobramentos recentes; de predações de certas gentes e de seus descendentes. É chamado que reage ao processo que produziu, ao longo do tempo, possibilidades desiguais para corpos brancos e não brancos buscarem autonomia de vida. Assimetria ancorada, portanto, na origem étnica e na cor da pele de cada habitante do país.

O substantivo negro, contudo, não designa somente as pessoas de tez mais escura do que a considerada, por normas não escritas, como branca o bastante para permitir o acesso às piscinas que existem. Como afirma Achille Mbembe, a destituição da humanidade dos povos negros pela empresa colonial também alcançou, antes e principalmente agora, outros grupos de gentes. Há, sugere o filósofo, um “devir-negro do mundo”. Os povos indígenas são, nesse sentido, negros. Assim como os muito pobres ou as pessoas transgêneras, tenham ou não pele escura. Se a possuem, são mais negros ainda. Generalizou-se – com o agravante, por vezes, da institucionalização – a negação dos direitos mais básicos para tantos e tantas, assim como se destituiu, deles e delas, o poder de inventarem outros modos de existência – vidas tornadas precárias e postas, por isso, em condição de risco permanente.

Negros na Piscina se refere a uma outra paisagem de Brasil. Uma que não existe ainda, mas que está sendo construída por muita gente. Paisagem social e afetiva em que corpos pretos, indígenas e travestis, entre outros vários igualmente negros, possam ter direito a trabalho e a descanso. E a muito mais. Uma paisagem em que lhes caiba e lhes pertença uma possível felicidade – coisa abstrata à qual é dada concretude por quem a busca. Uma paisagem que não seja marcada somente por dor e dano, mas também por cura e contentamento. E, se não há caminho curto ou fácil para alcançar tal intento, os trabalhos reunidos nesta exposição oferecem, ao menos, indícios dessa gradual e imparável construção. Trabalhos que oferecem, por isso, faíscas de beleza – palavra que desafia entendimento único – mesmo onde muitos supõem não haver razões para que ela exista. Beleza como expressão de resistência e como motor de invenção.

A criação de marcos ou anúncios dessa outra paisagem do Brasil é resultado do esforço de artistas de campos diversos e vem de muito tempo. Em anos recentes, porém, esse empenho ganhou densidade e se tornou aparente como força conjunta. Por ser redesenho sensível do mundo, tem na produção de imagens sua face mais visível, sendo natural que a fotografia seja um de seus suportes mais frequentes. Há vestígios dessa construção, todavia, em objetos, esculturas ou instalações; assim como em imagens inventadas como desenho ou pintura. É dessa diversidade, e distensão no tempo, que Negros na Piscina busca dar notícias.   

OS CURADORES

Fabiana Moraes é recifense, mãe de Mateus e professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco. Jornalista com mestrado em Comunicação e doutorado em Sociologia, ambos pela UFPE. Pesquisa mídia, imprensa, poder, raça, hierarquização social, imagem e arte. É vencedora de três prêmios Esso com as reportagens  O Nascimento de Joicy (2011), Os Sertões (2009) e A Vida Mambembe (2007). Recebeu ainda os prêmios Petrobras de Jornalismo (2015) com a série Casa Grande e Senzala; o Embratel (2011) com o especial Quase Brancos, Quase Negros e três prêmios Cristina Tavares com Os Sertões, Quase Brancos Quase Negros e A História de Mim (2015). Lançou seis livros: Os Sertões (Cepe, 2010), Nabuco em Pretos e Brancos (Massangana, 2012); No País do Racismo Institucional (Ministério Público de Pernambuco, 2013); O Nascimento de Joicy (Arquipélago Editorial, 2015); Jormard Muniz de Britto - professor em transe (Cepe, 2017) e A Pauta é uma Arma de Combate (Arquipélago, 2022).


Moacir dos Anjos é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Foi curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010) e das mostras Cães sem Plumas (Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, 2014), A Queda do Céu(Paço das Artes, 2015), Travessias 5 - Emergência (Galpão Bela Maré, 2017), Quem não luta tá morto. Arte democracia utopia (Museu de Arte do Rio, 2018), Raça, classe e distribuição de corpos (Fundação Joaquim Nabuco, 2018), Educação pela pedra (Fundação Joaquim Nabuco, 2019), Língua Solta (com Fabiana Moraes, Museu da Língua Portuguesa, 2021), Alfredo Jaar – Lamento das Imagens (Sesc Pompéia, 2021) e Necrobrasiliana (Fundação Joaquim Nabuco, 2022). É autor dos livros Local/Global. Arte em Trânsito (2005), ArteBra Crítica (2010) e Contraditório. Arte, Globalização e Pertencimento (2017).


 

SERVIÇO
QUANDO 7 de dezembro de 2022 a 7 de maio de 2023
HORÁRIO Na semana de abertura de abertura, visitação de quinta a sábado, das 12h às 22h, com acesso até as 21h30; e domingos, das 10h às 22h, com acesso até as 17h30
ONDE PINACOTECA DO CEARÁ - Rua 24 de maio, Praça da Estação, s/n - Centro, Fortaleza - CE, 60020-000
GRATUITO. LIVRE.