2018 2022 2024

Amanhã vai ser outro dia. Enquanto ainda é hoje, cuidemos dos olhos na quentura. É arriscado confiar na imagem, repetem. Não há sossego, mas perceba a rima fácil: miragem até parece coragem, quando quisermos que assim seja. Se a matéria-prima da ilusão é a própria vida, não há fronteira, só espanto. 


SE UM FOTÓGRAFO NUM SOL DE MEIO-DIA

TORRES
Construir torres abstratas
porém a luta é real. Sobre a
luta nossa visão se constrói.
O real nos doerá para sempre

ORIDES FONTELA

IANA SOARES
Jornalista e fotógrafa

Você tem uma pequena coleção de miragens entre as mãos. Será necessário que aperte um pouco os olhos, como quem olha para a estrada ao meio-dia, enquanto passa cada página. Dividido entre a crença e a ilusão, você talvez tenha pressa no entendimento. Entretanto, se quiser fazer deste encontro um caminho, é preciso reparar com atenção nas vidas que moram em cada instante. A partir de uma convocatória, reunimos os fragmentos recolhidos por quem tentou olhar mais de uma vez aquilo que viu, mesmo quando o tempo escapou. Os autores cearenses, ou que residem nesta terra de luz equatorial, compartilham o encantamento e o espanto diante do real transfigurado. 

Os dias andam esquisitos, você já percebeu. É difícil enxergar e dizer do visto com esperança. Um rio sangra e vira lama no deserto de peregrinos. Uma gota percorre, feito lágrima, as cartas de desejo que chegarão para aqueles que não possuem lugar. O vento que vem do mar faz cócegas no menino afoito que transforma o asfalto com um pulo. As monstras, os arrevesados, os desocupados são felizes na fotografia. 

Muito além da graça e do bem dito, as mulheres fecham os olhos e a ditadura faz eco, dói nos corpos em construção. Nos diários e postais de um viajante do tempo, cada futuro já é também ruína. Quando sete é o número da mulher, o fluxo transfigura a casa e o resto. Os homens e as mulheres escravizados pesam nos teus ombros, você sente. O aperto de mão não desfaz a fronteira. Os vagalumes coloridos sobrevivem na Serrinha e no retrato. O que você vê em cada imagem? 

Uma miragem não é uma alucinação de quem vê, esclarecem os físicos. Tecnicamente, é um fenômeno ótico: o desvio dos raios do sol em contato com o mundo produz uma imagem. Nesta exposição, a miragem não se afasta da existência. É viva. Há quem faça, dela, um jogo de mil faces, um ensaio para o futuro. Há quem veja e desconfie. Haverá sempre quem resista em cada gesto e invenção. 

Uma miragem é engano ou adivinhação? E uma fotografia? 

 

 

SERVIÇO
QUANDO 5 de dezembro de 2018 a 3 de fevereiro de 2019
HORÁRIO Visitação de terça a sexta-feira, das 9h às 19h, com acesso até as 18h30; e aos sábados e domingos, das 14h às 21h, com acesso até as 20h30.
ONDE Multigaleria - Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura - R. Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema, Fortaleza - CE, 60060-390
GRATUITO. LIVRE.