Amanhã vai ser outro dia. Enquanto ainda é hoje, cuidemos dos olhos na quentura. É arriscado confiar na imagem, repetem. Não há sossego, mas perceba a rima fácil: miragem até parece coragem, quando quisermos que assim seja. Se a matéria-prima da ilusão é a própria vida, não há fronteira, só espanto.
SE UM FOTÓGRAFO NUM SOL DE MEIO-DIA
TORRES
Construir torres abstratas
porém a luta é real. Sobre a
luta nossa visão se constrói.
O real nos doerá para sempre
ORIDES FONTELA
IANA SOARES
Jornalista e fotógrafa
Você tem uma pequena coleção de miragens entre as mãos. Será necessário que aperte um pouco os olhos, como quem olha para a estrada ao meio-dia, enquanto passa cada página. Dividido entre a crença e a ilusão, você talvez tenha pressa no entendimento. Entretanto, se quiser fazer deste encontro um caminho, é preciso reparar com atenção nas vidas que moram em cada instante. A partir de uma convocatória, reunimos os fragmentos recolhidos por quem tentou olhar mais de uma vez aquilo que viu, mesmo quando o tempo escapou. Os autores cearenses, ou que residem nesta terra de luz equatorial, compartilham o encantamento e o espanto diante do real transfigurado.
Os dias andam esquisitos, você já percebeu. É difícil enxergar e dizer do visto com esperança. Um rio sangra e vira lama no deserto de peregrinos. Uma gota percorre, feito lágrima, as cartas de desejo que chegarão para aqueles que não possuem lugar. O vento que vem do mar faz cócegas no menino afoito que transforma o asfalto com um pulo. As monstras, os arrevesados, os desocupados são felizes na fotografia.
Muito além da graça e do bem dito, as mulheres fecham os olhos e a ditadura faz eco, dói nos corpos em construção. Nos diários e postais de um viajante do tempo, cada futuro já é também ruína. Quando sete é o número da mulher, o fluxo transfigura a casa e o resto. Os homens e as mulheres escravizados pesam nos teus ombros, você sente. O aperto de mão não desfaz a fronteira. Os vagalumes coloridos sobrevivem na Serrinha e no retrato. O que você vê em cada imagem?
Uma miragem não é uma alucinação de quem vê, esclarecem os físicos. Tecnicamente, é um fenômeno ótico: o desvio dos raios do sol em contato com o mundo produz uma imagem. Nesta exposição, a miragem não se afasta da existência. É viva. Há quem faça, dela, um jogo de mil faces, um ensaio para o futuro. Há quem veja e desconfie. Haverá sempre quem resista em cada gesto e invenção.
Uma miragem é engano ou adivinhação? E uma fotografia?